Se você acompanha as novidades do mundo dos streamings, a essa altura já deve ter assistido ou ao menos ter ouvido falar do “Golpista do Tinder”, um documentário que mostra em detalhes como três mulheres foram enganadas pelo homem dos seus sonhos (ou ao menos é o que ele fingia ser), a ponto de emprestarem grandes quantias de dinheiro para o vigarista que, as custas de suas vítimas, vivia e ainda vive uma vida de luxo possibilitada pelos golpes que aplica por meio do famoso aplicativo de relacionamentos.

O golpe começa quando Simon Leviev – como é conhecido o golpista –  e sua vítima dão “match” no Tinder. Quando conseguem marcar o primeiro encontro, o farsante se mostra como alguém bonito, elegante, rico, bem relacionado e interessado em estabelecer algo mais sério. Com o tempo, a vítima se torna envolvida na história arquitetada por ele e passa a emprestar dinheiro, pois acredita ter construído uma relação de amor e confiança. A partir daí, aos poucos o golpista se distancia das mulheres enganadas, que eventualmente descobrem que há algo de errado e começam a investigá-lo. Após descobrirem quem ele realmente é, e o questionarem, o vigarista nega as acusações e tenta convencê-las com ameaças e chantagens. Quando ele percebe que elas não acreditam nele, corta o contato e as deixa afundadas em enormes dívidas.

A postura do golpista do Tinder é marcada pelo abuso emocional de suas vítimas, o que é muito presente em vários relacionamentos reais. Nesse tipo de relação, uma das pessoas envolvidas têm suas emoções e pensamentos manipuladas pela outra. Enquanto a pessoa abusada age de acordo com a vontade do abusador, ela pode ser levada a acreditar que está vivendo um relacionamento perfeito. Se por algum motivo passa a contrariá-lo ou deixar de satisfazê-lo, o abusador faz com que sua vítima acredite em coisas depreciativas e falsas sobre si, sentindo-se dependente e sem conseguir se libertar, o que caracteriza um desequilíbrio de poder no relacionamento.

Pessoas que são abusadas emocionalmente sofrem consequências que podem repercutir durante todas suas vidas. Longos períodos em situações como essa podem levar ao desenvolvimento de crenças nucleares desadaptativas, envolvendo a depreciação da vítima quanto às suas capacidades (crenças de desamparo), seu merecimento de afeto (crenças de desamor) e sua integridade moral (crenças de desvalor). Essas crenças levam a pessoa abusada a interpretar a realidade de maneira enviesada, além de deixá-la vulnerável a vários transtornos psicológicos e sintomas como insônia e tensão muscular.

No caso das relações retratadas no documentário, há mais um agravante que pode tornar as consequências ainda mais severas: todo o conjunto de comportamentos de Simon Leviev. Do ponto de vista psicopatológico, um possível diagnóstico do golpista do Tinder levando em conta esses comportamentos e a sua maneira de pensar, (como foi sugerida pelo documentário) é o de Transtorno da Personalidade Antissocial (TPA), entendido pelo senso comum como “psicopatia”. 

De acordo com o DSM-V, o TPA envolve um comportamento difuso de desconsideração e violação dos direitos de outras pessoas, que ocorre desde meados da adolescência. As principais características de pessoas que apresentam esse transtorno são a manipulação, ausência de remorso, tendência à falsidade, descaso pela segurança de si e dos outros, irritabilidade e agressividade, assim como desrespeito às normas sociais. Todos esses aspectos se encaixam perfeitamente na figura de Simon Leviev. Mas como foi possível sugerir tal diagnóstico? 

Tudo começa com o perfil das vítimas com quem Simon entrava em contato. Mesmo que só sejam mostradas três delas, é possível perceber que o padrão que ele preferia era o de mulheres que desejavam amar e confiar em alguém, que buscavam um relacionamento e que eram mais empáticas, características entendidas por ele como de pessoas vulneráveis e fáceis de serem manipuladas. Ao conhecer essas mulheres, ele identificava o que era preciso para conquistar confiança, agia de forma romântica, amorosa, intensa, envolvia jatinhos e uma grande equipe de segurança, tudo para elaborar uma falsa imagem de si mesmo, mostrando um comportamento de manipulação milimetricamente planejado. Essas e outras mentiras contadas por ele preenchem os critérios de manipulação e tendência à falsidade. 

Com o passar do tempo e a aplicação do golpe, podemos ver outro critério que o golpista preenche: descaso pela segurança dos outros. O foco era somente ter o dinheiro transferido, pouco importava se a vítima iria se endividar, se ela não tinha o dinheiro, ou se ele seria usado para outro fim (uma das vítimas transferiu o dinheiro que ela usaria para comprar um apartamento). Se o dinheiro estivesse com ele era o que importava. Quando sua verdadeira identidade é descoberta, podemos ver sua irritabilidade e agressividade pela sequência de ameaças que desfere contra as vítimas e seus familiares, xingando e prometendo que vai se vingar.

Mesmo após ter sido descoberto, Simon continua aplicando golpes, falsificando documentos e enganando pessoas, demonstrando sua falta de preocupação com as regras sociais e legais que está desrespeitando, assim como descaso com os sentimentos das mulheres que enganou.Produções como “O Golpista do Tinder” são importantes para conscientizar as pessoas do perigo que podemos correr quando nos entregamos a relacionamentos com pessoas que mal conhecemos, especialmente com aquelas que se “vendem” como modelos de perfeição. Estar atento aos comportamentos do parceiro(a) e como eles te fazem se sentir é importante para identificar comportamentos abusivos e escolher melhor as pessoas com quem se quer dividir a vida.